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26 novembro 2016

O napalm e o Facebook

No mundo das chamadas novas tecnologias sempre fui adverso a qualquer rede social ou a qualquer relacionamento de amizade que se possa travar virtualmente, se é que se possa chamar a isso de "amizade".
Até tenho uma conta no facebook, é verdade, mas só a pedido de várias famílias e amigos e para manter contacto com algumas pessoas reais que fazem parte da minha vida. Se me perguntarem quantas vezes vou ao meu facebook, direi que a maior parte das vezes até me esqueço que tenho conta aberta. Por isso, raramente lá vou.
Vem isto a propósito de ter encontrado um artigo deveras interessante sobre este tema, publicado no blog NÚMERO F/, de Manuel Vilar de Macedo, e que, com a devida vénia, passo a transcrever.
Carlos Pedro


Eu sei que sou a única pessoa do mundo que não gosta do facebook. Na verdade tenho lá uma conta, mas só serve para manter contacto com algumas pessoas. Há muitas razões para que eu não perca horas da minha vida no facebook, mas Mark Zuckerberg e seus associados continuam regularmente a fornecer-me provas de que este meu desdém pela «rede social» é inteiramente justificado. 
A última delas foi a que se segue: o jornal norueguês Aftenposten publicou, não sei a que propósito, a conhecida fotografia de Nick Ut que reproduzo acima na sua página do facebook. Evidentemente, todos sabem que esta fotografia mostra a fuga de várias crianças de uma aldeia vietnamita atacada por engano pela força aérea sul-vietnamita com uso de napalm. A criança que se vê no meio do enquadramento está nua porque foi atingida pelo napalm, o que lhe provocou uma sensação de ardor insuportável. Nick Ut, o fotógrafo, atirou-lhe baldes de água, mas a criança, de nome Phan Thi Kim Phuc, continuou a gritar queixando-se do calor. 
Não sei por que o jornal norueguês decidiu publicar a fotografia de Nick Ut na sua página do facebook; o que sei é que alguém entendeu que aquela imagem colidia com os padrões morais do facebook relativos a imagens de nudez infantil e houve por bem eliminá-la da página do Aftenposten. 
Os leitores do Número f/ poderão, eventualmente, não compreender a razão por que a fotografia foi apagada; e, de facto, é difícil de entender. É, simplesmente, daquelas coisas que fazem recuar as fronteiras da estupidez humana. Francamente, em que estavam os guardiães da moral facebookiana a pensar? Que a fotografia de Nick Ut é obscena, ou mesmo pornográfica? Que a intenção do fotógrafo foi a de fotografar uma menina vietnamita nua, quem sabe para seu prazer e de alguns pervertidos? 
Esta polémica absurda dá que pensar. Só uma mente muito perturbada poderia imaginar que a nudez de Phan Thi Kim Phuc tem algo de indecente, imoral ou ofensivo. Se há algo indecente, imoral ou ofensivo nesta fotografia é o que ela retrata – o horror da guerra e dos seus «danos colaterais» (que é o que agora chamam aos crimes contra civis cometidos durante guerras). Que isto passe ao lado dos censores e estes só vejam aqui uma fotografia de uma criança nua levanta questões curiosas, como a falta de informação e de ilustração desses guardiães do pudor. Não conhecer a fotografia de Nick Ut é, só por si, bastante grave; não entender a sua mensagem é ainda mais grave, mas reduzir tudo à questão da nudez da menina é gravíssimo. Ou melhor: a gravidade não está em que haja pessoas tão ignorantes e pervertidas: está em elas terem uma profissão que consiste em fazer censura com base em juízos morais. 
Deste modo, temos o dever de concluir que o facebook é gerido por gente ignorante, moralmente dogmática, obtusa, completamente desprovida de noção do ridículo e pervertida. Sim, porque só uma mente doentia consegue ver malícia numa fotografia como esta, abstraindo por completo das suas circunstâncias e vendo apenas a criança nua.

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